Pacotinho de gibis

2005-11-15

Pacotinho #6

House of M #8

[RUIM] Eu sou velho o suficiente pra me lembrar da publicação original da Crise nas Infinitas Terras, em 1985. Enquanto a DC sacudia o multiverso, a Marvel publicava uma minissérie extremamente medíocre chamada Guerras Secretas. O contraste era muito grande: enquanto uma tinha arte espetacular do George Perez, a outra tinha arte somente aceitável do Mike Zeck. Em 2005, a Crise nas Infinitas Terras faz 20 anos, e, pra comemorar, a DC lançou Infinite Crisis. Aparentemente, a Marvel decidiu que o melhor jeito de comemorar 20 anos da Crise era produzir, ao mesmo tempo, uma série tão medíocre quanto Secret Wars foi: House of M.

Da mesma forma que Secret Wars não é lembrada por sua história, mas tão somente por seus efeitos colaterais (como a introdução do uniforme negro do Homem-Aranha), House of M corre pelo mesmo caminho. A história é totalmente irrelevante, o único evento real da série é a conclusão, onde Mudanças Ocorrem. Mas a natureza das mudanças requer mais reflexão pra serem entendidas.

A origem real de House of M está no filme dos X-Men. O filme fez um grande sucesso, e a Marvel esperava que as pessoas que gostaram do filme comprassem os gibis. Mas isso não aconteceu, é claro, o filme estava muito acima da média das histórias dos X-Men na época. Pra melhorar as histórias, resolveram chamar um escritor competente, e escolheram logo o melhor: Grant Morrison.

Mas o Morrison estava diante do mesmo dilema que o Schoenberg, no início do século XX. Na época, o Schoenberg percebeu que os sete tons por oitava da música ocidental já tinham se esgotado. Embora fosse possível criar músicas novas, não era realmente possível inovar. As possibilidades de estruturas musicais novas haviam se esgotado. A única saída para ser realmente criativo era abandonar a estrutura clássica, e pra isso ele criou o dodecafonismo.

Com o Morrison ocorreu o mesmo. Os X-Men tinham como conceito básico o fato de serem uma minoria repudiada pela sociedade. Mas esse tema foi martelado por quarenta anos, era muito difícil fazer uma história realmente nova com eles. Então o Morrison inovou: ele postulou que uma onda de mutações secundárias assolou o planeta, elevando em muito o número de mutantes, e garantindo que em quarenta anos, os mutantes já seriam mais numerosos que os humanos. Os mutantes ainda eram uma minoria, mas agora eles sabem que não seriam uma minoria por muito tempo. Os humanos, acuados, partem até mesmo para o transformismo, tornando-se mutantes artificialmente; e nesse época, finalmente ser mutante é "in".

Mas esse novo status quo não é qualquer um que consegue usar. Quando o Morrison saiu, os demais escritores ficaram perdidos. E nesse contexto fica muito claro qual foi a função de House of M. No último número, a Feiticeira Escarlate altera a realidade e diminui o número total de mutantes do planeta, de alguns milhões, pra poucas centenas. Efetivamente, House of M desfaz tudo que o Morrison fez. Assim como há gente que não gosta de dodecafonismo, há gente também que aprovou o retorno dos mutantes para a condição de minoria. Mas com isso, voltam todos os limites criativos que o status quo antigo trazia.

Infinite Crisis #2

[DUCA] Enquanto isso, do outro lado da rua, a DC também lida com um problema de status quo, mas um status quo que surgiu acidentalmente. A primeira Crise tinha um próposito muito nobre: tornar a continuidade mais simples, eliminando as terras paralelas, ao mesmo tempo que preservava como canônicas as melhores histórias de cada uma. Então a terra unificada tinha ao mesmo tempo a JSA e a JLA, o Jay Garrick e o Barry Allen.

Mas o imprevisto veio no ano seguinte à sua publicação. Em 1986, duas obras mudaram o cenário dos quadrinhos. Nesse ano, foram publicadas Watchmen do Alan Moore, e o Cavaleiro das Trevas do Frank Miller. As duas eram histórias espetaculares que renovaram o conceito de histórias de super-heróis, mostrando personagens mais sombrios e violentos. As duas foram muito influentes sobre as gerações seguintes de escritores.

O problema é que foram influentes demais. Como as duas possuíam personagens sombrios e violentos, os escritores novatos achavam que isso é o que definia uma boa história de super-heróis. Não é. O apelo das histórias não era a atitude de seus personagens, mas a qualidade do argumento do Miller e do Moore. Baseado nessa falsa premissa, proliferaram os anti-heróis, atingindo seu ápice na fundação da Image na década de 90.

O efeito colateral disso é que as histórias da DC, após a Crise, eram em sua maioria crias dos escritores medíocres e fãs de anti-heróis. Com isso, a Terra pós-Crise ficou muito mais sombria e decadente que suas predecessoras. Essa era um Terra onde o Superman pode morrer, o Batman pode ficar paralítico, o Lanterna Verde pode ficar maluco e assassino. Se um personagem pré-Crise visse essas coisas, ficaria envergonhado, e até mesmo revoltado. E essa é premissa básica de Infinite Crisis. No primeiro número, Kal-L, que havia sacrificado sua existência pra salvar a terra unificada, verifica que ela se tornou um pesadelo. Nesse segundo número, ele verifica que o problema é que a Terra pós-Crise foi baseada demais na Terra-1, cujos personagens se corromperam. Então, sua solução é reverter a Crise, de modo que a Terra pós-Crise não seja mais a Terra-1, mas sim a Terra-2, cujos heróis ainda não foram maculados pela onda dos anti-heróis.

A edição em si consegue ter exatamente o mesmo clima da Crise original, ao mesmo tempo épico e intimista. De fato, a primeira página começa com uma cena caseira, onde o Homem-Animal pergunta pra esposa por que ela jogou fora seu traje espacial. "Estava vazando óleo de foguete", numa cena que evoca de maneira perfeita o Homem-Animal do Grant Morrison, o gibi que melhor usou os temas da primeira Crise. E, na cena seguinte, Donna Troy convoca os heróis no espaço, da mesma maneira que o Monitor havia feito no original.

Os desenhos do Jimenez continuam espetaculares, com um nível de detalhe ainda maior que o do Perez. E, numa seqüência de flashback, o próprio Perez volta pra desenhar um punhado de páginas. Além disso, o Perez também fez uma das capas, onde várias cenas da história do multiverso são lembradas, incluindo três foguetes fugindo de Krypton: o foguete do Superman da Terra-1, da Terra-2, e da Terra pós-Crise.

Talvez o único problema de Infinite Crisis seja seu nível de referências. A série evoca acontecimentos de toda a cronologia da DC, o que significa que para apreciá-la completamente você precisa conhecer os 70 anos de gibis que a DC publicou. Pra quem tem esse conhecimento, entretando, a série é um deleite.

2 Comments:

  • o que achas do brian bendis, ricbit?
    lesse coisas como a fase dele no demolidor e aquela grotesquice chamada alias?
    a mais avançada forma de enrolação ou picaretagem pura?

    By Blogger lionel, at 2:39 PM  

  • Eu gosto do Ultimate Spider Man, pelo menos da maioria dos arcos dessa série. Por outro lado, New Avengers é uma ABOMINAÇÃO, ruim de doer.

    Considerando a quantidade absurda de gibis que ele escreve por mês, minha teoria é que ele usa um monte de ghost writers, alguns competentes, outros não.

    Tanto Alias quanto Demolidor eu não consegui ler, são enrolados demais pra mim. Vai ver até são bons, mas eu dormi antes que o gibi prendesse minha atenção.

    By Blogger Ricardo Bittencourt, at 11:50 AM  

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