Pacotinho de gibis

2006-06-21

Pacotinho #8

Action Philosophers #5

[OK] Quando eu vi o Derrida como The Deconstructonator, juro que achei que esse gibi era paródia de super-heróis usando filósofos famosos. Mas não, é um gibi sério de ensino de filosofia, mais ou menos no estilo do Mundo de Sofia. A idéia seria boa, se não fosse mal-executada. Ele ficaria muito melhor sem os gracejos que o autor coloca na história. A idéia de usar gibis como ferramenta de ensino é antiga, eu mesmo aprendi as geometrias não-euclideanas lendo os gibis do Anselmo Curioso, pena que esse aqui deu errado.

Bound by Law #1

[BOM] Por outro lado, eis aqui um exemplo de gibi sério que acerta exatamente no ponto. Ele foi produzido por uma faculdade americana de direito, e usa os quadrinhos pra ensinar as nuances do sistema de copyrights e fair use vigentes nos USA. Nesse caso os desenhos ajudam a fixar a idéia do texto, ao invés de distrair do tema, como fazia o gibi anterior. O gibi em si tem foco em como o sistema de copyrights atrapalha na produção de documentários, são de dar medo as situações descritas na história. Esse gibi inteiro pode ser lido na web.

Marvel Romance Redux #1

[RUIM] Outra idéia desperdiçada. Hoje em dia é praticamente natural associar quadrinhos com super-heróis, mas na verdade esse fenômeno é bem recente. Até os anos 70, os quadrinhos americanos tinha uma gama muito maior de assuntos, incluindo crônicas de guerra, gibis de terror e até mesmo romances. Os romances eram feitos por todas as editoras, incluindo a Marvel e a DC, e os produtores eram exatamente os mesmos dos outros gêneros. Se você procurar no ebay, vai até encontrar gibis de romance feitos pelo Stan Lee e pelo Jack Kirby!

Pois bem, a idéia do Marvel Romance Redux era fazer uma paródia da época. Eles foram no arquivo, pegaram vários gibis da época, e deram pros escritores atuais reescreverem os balões. Só mudaram o texto, a arte permaneceu exatamente a mesma. Embora isso tivesse potencial, na prática as histórias redubladas ficaram muito, muito ruins. O humor é muito rasteiro, confesso que vi paródias mais elaboradas lendo MAD.

Superman and Batman #26

[RUIM] Sam Loeb, filho do roteirista Jeph Loeb, morreu esse ano de câncer. Em sua homenagem, o pai resolveu procurar um rascunho de gibi que o filho tinha escrito, deu uma limpada no texto, e pediu pros amigos desenharem. O resultado é Superman/Batman #26, cujas vendas vão para a caridade.

Eu acharia isso muito louvável, se não fosse o fato que o gibi é ruim de doer. Começa que o Jeph Loeb não é dos melhores. De fato, ele é um dos roteiristas que entrou no lugar do J.J.Adams no Lost, quando o último largou a série pra fazer Missão Impossível 3, e todos sabemos o que aconteceu com a qualidade do Lost quando o Loeb entrou na roda. Mas o pior não é o roteiro em si, é que, entre os desenhistas convidados, tem uma página do Rob Liefeld. É incrível, quinze anos de quadrinhos e ele ainda não aprendeu a desenhar bocas, é sempre o mesmo copy+paste desde a década de 90. Avoid.

Punisher - The Tyger

[DUCA] Curioso como tem escritores que acertam em cheio um personagem. O Peter David acertou o Hulk, o Claremont acertou os X-Men, e o Justiceiro, só o Garth Ennis entendeu. Em geral, o gibi do Justiceiro é somente humor negro (realizado com maestria), mas de vez em quando o Ennis resolve explorar o lado dramático do personagem, com muita competência. The Tyger é a história da infância do Frank Castle, de quando ele tinha pouco mais de dez anos de idade, lia poesia e frequentava o catecismo.

Fosse um escritor menor, essa seria uma história de infância traumática, pais abusivos, mostrando porque o Castle ficou o louco que é quando adulto, ou seja, todos os clichês. Mas o Justiceiro do Ennis não é louco, pelo contrário: ele sabe muito bem o que faz, todas as suas escolhas são racionais. The Tyger é a história da formação da personalidade dele, mostra seus ídolos, seus ideais, como ele decidiu que justiça às vezes quer dizer vingança.

Mas tem mais. Normalmente ao ver um gibi você nota que o roteiro é bom, ou que o desenhista é bom. Nesse aqui, o que salta aos olhos é outra coisa: o trabalho excelente do colorista! Ao invés de simplesmente pintar os quadros com cores flat ou com gradientes, ele resolveu usar uma textura evocativa de quadros antigos para dar a ambientação correta. O resultado ficou excelente e vale a pena ser conferido.

2006-03-07

Pacotinho #7




Infinite Crisis #5

[DUCA] Parte da graça de Infinite Crisis é a quantidade de detalhes. É divertido ver um remake da capa de Action Comics #1, ou ainda o Superboy Prime vestindo o uniforme do Antimonitor. Mas o melhor mesmo são as boas sacadas do autor.

Um dos grandes problemas dos quadrinhos americanos é que as séries não tem fim. Sem o final, o leitor acaba esperando novas histórias de seus personagens prediletos, e enquanto estiver vendendo bem, as histórias vão saindo. Só que os leitores envelhecem, e começam a exigir tramas mais elaboradas, mais maturidade. Pra manter as vendas, os heróis precisam se adaptar. Como conseqüência, o público infantil acaba sendo deixado de lado.

A boa solução da DC no passado era justamente as terras paralelas. Um leitor casado, com filhos, podia se identificar com o Batman casado da Terra 2, e sua filha Huntress. Enquanto isso, na Terra 1, o leitor mais jovem curtia o Batman original. Mas, com a crise, essa solução teve que ser abandonada. No universo pós-crise, a solução era aposentar os heróis antigos (ou transformá-los em vilões, como o Hal Jordan), e trocá-los por heróis mais inexperientes, como o Kyle Rayner.

Em Infinite Crisis #5, o autor mostra que entendeu muito bem essa idéia. Em certo ponto, o vilão cita que o Kyle Rayner deveria ter nascido na Terra-8, ele só está no mesmo universo do Hal Jordan porque os universos se uniram na Crise original. É claro! Se a DC não tivesse feito a Crise, provavelmente os leitores contemporâneos estariam acompanhando gibis de uma nova Terra. Um grande insight que me deixou com um sorriso, esse é um autor que sabe sobre o que escreve.

Friendly Neighborhood Spider-Man #5

[BOM] Uma história simpática do Peter David, onde uma blogueira paranóide acha que está sendo stalked pelo Homem-Aranha, e entra na justiça com um mandado de restrição. O fato notável nem é a história em si, é o aviso que eu coloco em itálico: Veja, Bendis, é possível escrever uma história completa em uma única edição! Nessa época de "descompressão", uma história auto-contida é notável.

Y The Last Man #40

[DUCA] Eu sempre me impressiono com autores que sabem criar universos internamente consistentes, e mais ainda quando os personagens agem de acordo com esse universo. No mundo de Y: The Last Man não há homens. Todos morreram, exceto o protagonista, que vive escondido. Ou seja, o resto do mundo não sabe disso, só nós, os leitores, sabemos que o Yorrick está vivo. Então, quando surge uma mulher grávida, nós, os leitores, sabemos que só pode ter sido o Yorrick. Os personagens da história, que não tem as nossas informações, pensam do jeito deles, e concluem que houve na verdade uma concepção imaculada, e a garota está grávida do próximo Messias. Genial, um twist que só funciona porque o autor entende bem o mundo que criou.

All Star Superman #2

[DUCA] A maioria dos escritores, principalmente no período pós-Crise, tendem a escrever o Super-Homem como sendo um fortão que voa. O Grant Morrison, nessa edição, deixa claro que o Super-Homem dele tem ênfase no "Super". Trata-se de um ser quase divino, para quem feitos inimagináveis são simples. É exatamente na casualidade dos comentários dele que você nota isso, como, por exemplo, "demorei um pouco pra decorar sua seqüência de DNA... tive dificuldade com os seis bilhões de letras". Adoro quando o Morrison fica inspirado.

Outsiders #34

[OK] O primeiro da nova cronologia "One Year Later". A história usa como pano de fundo uma nação africana, onde crianças estão sendo recrutadas desde a infância para atuar no terrorismo e no tráfico de drogas. Isso não era exatamente a origem do Mr. Eko em Lost? É até difícil dizer quem plagiou quem, já que tanto o episódio quanto o gibi começam a ser produzidos pelo menos três meses antes de virem a público.



Ultimate Wolverine vs Hulk #1

[OK] Falando em Lost, esse aqui foi escrito pelo Damon Lindelof, que está para Lost assim como o J.M.Straczynski está para Babylon 5. É claro que está escrito da mesma maneira que a série. Logo nas primeiras páginas o Hulk rasga o Wolverine no meio, e o resto da história é contado através de flashbacks. A história em si não tem nada de especial até agora, vamos ver se melhora no futuro.

Batman Annual #25

[RUIM] Ick. É até difícil de comentar. Consta que nas revistas regulares do Batman trouxeram o Jason Todd de volta à vida, e na forma de vilão. Tá na moda, lá na Marvel o Bucky também ressuscitou e virou vilão. Esse gibi aqui era pra ser a explicação. Pois bem, a trama é que durante os prelúdios da Infinite Crisis o Superboy Prime deu porradas na realidade(?), causando uma onda de anomalias que voltaram no tempo(?) e fizeram o Robin ressuscitar seis meses depois de ter morrido, com danos cerebrais. Até aí, isso é um gibi de super-herói, essas coisas acontecem. Verdade que acontecem mais quando o escritor é incompetente, mas adiante.

O problema é que o guri foi resgatado pela Talia e pelo Ra's Al Ghul, que mantiveram isso em segredo por vários anos na cronologia. Mas, se eles tinham o Robin ressuscitado, porque nunca usaram isso pra fazer chantagem com o Batman? Histórias retroativas são sempre um perigo, é muito difícil escrever sem contradizer o que veio antes. Eu mesmo consigo pensar em um monte de soluções melhores, se eles realmente queriam trazer o Robin de volta. Foi a continuidade retroativa que matou essa história.

2005-11-15

Pacotinho #6

House of M #8

[RUIM] Eu sou velho o suficiente pra me lembrar da publicação original da Crise nas Infinitas Terras, em 1985. Enquanto a DC sacudia o multiverso, a Marvel publicava uma minissérie extremamente medíocre chamada Guerras Secretas. O contraste era muito grande: enquanto uma tinha arte espetacular do George Perez, a outra tinha arte somente aceitável do Mike Zeck. Em 2005, a Crise nas Infinitas Terras faz 20 anos, e, pra comemorar, a DC lançou Infinite Crisis. Aparentemente, a Marvel decidiu que o melhor jeito de comemorar 20 anos da Crise era produzir, ao mesmo tempo, uma série tão medíocre quanto Secret Wars foi: House of M.

Da mesma forma que Secret Wars não é lembrada por sua história, mas tão somente por seus efeitos colaterais (como a introdução do uniforme negro do Homem-Aranha), House of M corre pelo mesmo caminho. A história é totalmente irrelevante, o único evento real da série é a conclusão, onde Mudanças Ocorrem. Mas a natureza das mudanças requer mais reflexão pra serem entendidas.

A origem real de House of M está no filme dos X-Men. O filme fez um grande sucesso, e a Marvel esperava que as pessoas que gostaram do filme comprassem os gibis. Mas isso não aconteceu, é claro, o filme estava muito acima da média das histórias dos X-Men na época. Pra melhorar as histórias, resolveram chamar um escritor competente, e escolheram logo o melhor: Grant Morrison.

Mas o Morrison estava diante do mesmo dilema que o Schoenberg, no início do século XX. Na época, o Schoenberg percebeu que os sete tons por oitava da música ocidental já tinham se esgotado. Embora fosse possível criar músicas novas, não era realmente possível inovar. As possibilidades de estruturas musicais novas haviam se esgotado. A única saída para ser realmente criativo era abandonar a estrutura clássica, e pra isso ele criou o dodecafonismo.

Com o Morrison ocorreu o mesmo. Os X-Men tinham como conceito básico o fato de serem uma minoria repudiada pela sociedade. Mas esse tema foi martelado por quarenta anos, era muito difícil fazer uma história realmente nova com eles. Então o Morrison inovou: ele postulou que uma onda de mutações secundárias assolou o planeta, elevando em muito o número de mutantes, e garantindo que em quarenta anos, os mutantes já seriam mais numerosos que os humanos. Os mutantes ainda eram uma minoria, mas agora eles sabem que não seriam uma minoria por muito tempo. Os humanos, acuados, partem até mesmo para o transformismo, tornando-se mutantes artificialmente; e nesse época, finalmente ser mutante é "in".

Mas esse novo status quo não é qualquer um que consegue usar. Quando o Morrison saiu, os demais escritores ficaram perdidos. E nesse contexto fica muito claro qual foi a função de House of M. No último número, a Feiticeira Escarlate altera a realidade e diminui o número total de mutantes do planeta, de alguns milhões, pra poucas centenas. Efetivamente, House of M desfaz tudo que o Morrison fez. Assim como há gente que não gosta de dodecafonismo, há gente também que aprovou o retorno dos mutantes para a condição de minoria. Mas com isso, voltam todos os limites criativos que o status quo antigo trazia.

Infinite Crisis #2

[DUCA] Enquanto isso, do outro lado da rua, a DC também lida com um problema de status quo, mas um status quo que surgiu acidentalmente. A primeira Crise tinha um próposito muito nobre: tornar a continuidade mais simples, eliminando as terras paralelas, ao mesmo tempo que preservava como canônicas as melhores histórias de cada uma. Então a terra unificada tinha ao mesmo tempo a JSA e a JLA, o Jay Garrick e o Barry Allen.

Mas o imprevisto veio no ano seguinte à sua publicação. Em 1986, duas obras mudaram o cenário dos quadrinhos. Nesse ano, foram publicadas Watchmen do Alan Moore, e o Cavaleiro das Trevas do Frank Miller. As duas eram histórias espetaculares que renovaram o conceito de histórias de super-heróis, mostrando personagens mais sombrios e violentos. As duas foram muito influentes sobre as gerações seguintes de escritores.

O problema é que foram influentes demais. Como as duas possuíam personagens sombrios e violentos, os escritores novatos achavam que isso é o que definia uma boa história de super-heróis. Não é. O apelo das histórias não era a atitude de seus personagens, mas a qualidade do argumento do Miller e do Moore. Baseado nessa falsa premissa, proliferaram os anti-heróis, atingindo seu ápice na fundação da Image na década de 90.

O efeito colateral disso é que as histórias da DC, após a Crise, eram em sua maioria crias dos escritores medíocres e fãs de anti-heróis. Com isso, a Terra pós-Crise ficou muito mais sombria e decadente que suas predecessoras. Essa era um Terra onde o Superman pode morrer, o Batman pode ficar paralítico, o Lanterna Verde pode ficar maluco e assassino. Se um personagem pré-Crise visse essas coisas, ficaria envergonhado, e até mesmo revoltado. E essa é premissa básica de Infinite Crisis. No primeiro número, Kal-L, que havia sacrificado sua existência pra salvar a terra unificada, verifica que ela se tornou um pesadelo. Nesse segundo número, ele verifica que o problema é que a Terra pós-Crise foi baseada demais na Terra-1, cujos personagens se corromperam. Então, sua solução é reverter a Crise, de modo que a Terra pós-Crise não seja mais a Terra-1, mas sim a Terra-2, cujos heróis ainda não foram maculados pela onda dos anti-heróis.

A edição em si consegue ter exatamente o mesmo clima da Crise original, ao mesmo tempo épico e intimista. De fato, a primeira página começa com uma cena caseira, onde o Homem-Animal pergunta pra esposa por que ela jogou fora seu traje espacial. "Estava vazando óleo de foguete", numa cena que evoca de maneira perfeita o Homem-Animal do Grant Morrison, o gibi que melhor usou os temas da primeira Crise. E, na cena seguinte, Donna Troy convoca os heróis no espaço, da mesma maneira que o Monitor havia feito no original.

Os desenhos do Jimenez continuam espetaculares, com um nível de detalhe ainda maior que o do Perez. E, numa seqüência de flashback, o próprio Perez volta pra desenhar um punhado de páginas. Além disso, o Perez também fez uma das capas, onde várias cenas da história do multiverso são lembradas, incluindo três foguetes fugindo de Krypton: o foguete do Superman da Terra-1, da Terra-2, e da Terra pós-Crise.

Talvez o único problema de Infinite Crisis seja seu nível de referências. A série evoca acontecimentos de toda a cronologia da DC, o que significa que para apreciá-la completamente você precisa conhecer os 70 anos de gibis que a DC publicou. Pra quem tem esse conhecimento, entretando, a série é um deleite.